Decreto determina a apresentação do comprovante da vacina contra a Covid-19 em grandes eventos no Estado
MARIA FERNANDA SALINET, FLORIANÓPOLIS
24/11/2021 ÀS 14H40
A Câmara de Vereadores de Navegantes, no Litoral Norte catarinense, votou um projeto de lei que proíbe o passaporte da vacina. Caso a lei seja sancionada pelo Executivo, pode ser considerada inconstitucional, dizem juristas. Assim, a proibição da obrigatoriedade do comprovante, que será discutida em uma audiência pública na Alesc, no dia 2 de dezembro, deve ganhar novos desdobramentos.
O encontro para discutir a proposta para barrar o passaporte da vacina foi feito pela deputada Ana Campagnolo (PSL). Procurada pela reportagem, a assessoria da parlamentar informou que ela não dá entrevistas a nenhum veículo.
Em sua página do Instagram, a deputada afirma que o passaporte sanitário é “um movimento gradual que tem por alvo final a extinção da autodeterminação dos indivíduos”.
No entanto, a norma, que impõe a comprovação das duas doses da vacina contra Covid-19 para entrada em estabelecimentos com mais de 500 pessoas, tem respaldo na Constituição, afirmam três juristas consultados pela reportagem. Para o professor da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e ex- procurador-geral do Estado, João dos Passos Martins Neto, os direitos individuais não estão acima dos coletivos.
“Nenhum direito assegurado pela Constituição se faz de modo a causar danos a bens coletivos ou direitos individuais de terceiros, como a saúde. Todo o direito tem que cumprir uma função social, não cumprem uma função meramente egoística”, afirma Martins Neto.
Além disso, ele cita que a garantia da liberdade de locomoção no país não seria ferida, porque “a locomoção é livre em todo território nacional em tempo de paz, mas estamos em tempos de emergência sanitária de dimensão internacional”.
Restrições em nome da saúde pública
A Constituição também diz que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado, lembra o professor. O mesmo é reiterado pelo advogado e cientista político, Roberto Wohlke, que traça um paralelo do passaporte da vacina com a proibição de fumar dentro dos estabelecimentos, realizada há 20 anos.
“Não há restrição dos direitos individuais daquelas pessoas que se negam a se vacinar, mas haverá restrição em nome da saúde pública e coletiva”, diz. Assim, ele afirma que há legitimidade das autoridades sanitárias de estabelecer leis que possam exigir o passaporte da vacina para controle da pandemia.
Possível inconstitucionalidade
O projeto de lei 54/2021, que proíbe a obrigatoriedade do comprovante de imunização no município, foi aprovado pela Câmara de Vereadores na última quinta-feira (18). Segundo a prefeitura, o projeto ainda não chegou ao Executivo e não foi informado quando será analisado.
O doutor em Direito do Estado e professor da UFSC, Reinaldo Pereira e Silva, avalia que o governador, Carlos Moisés (sem partido), poderia propor junto ao TJSC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina), a inconstitucionalidade da lei local por conta da discordância com a legislação estadual.
“Como é um caso de controle de competências, seria possível o controle de constitucionalidade direto, por via de ação no TJ. Nesse caso se converteria numa corte de proteção de constituição do Estado, já que estaria contrariando a lógica de funcionamento no que concerne ao controle sanitário.”
A Secretaria de Estado da Saúde informou, em nota, que está em vigor o protocolo que estabelece que em grandes eventos só é permitida a presença de pessoas vacinadas ou com testes negativos contra a Covid.
Porém, disse que “o passaporte da vacina é uma atribuição dos gestores municipais em função dos impactos nos municípios e porque cada região tem características distintas”, e que o governo do Estado está trabalhando “incessantemente para conscientizar a população sobre a importância da vacinação”.
Decreto estadual deve prevalecer
Martins Neto analisa que, como o SUS (Sistema Único de Saúde) é um sistema tripartite, ou seja, uma rede regionalizada e hierarquizada que compreende Estados e municípios, a princípio a norma estadual prevaleceria.
“Precisamos ver quem é a autoridade para ver quem tem a competência para decidir pela matéria. As questões de saúde pública transcendem as fronteiras municipais, então não é um assunto restrito, porque a contaminação poderia atingir outras localidades”, diz.
Pereira e Silva afirma que a orientação do STF (Supremo Tribunal Federal) é de que a saúde coletiva deva ser privilegiada, e ir contra esse posicionamento é um ato egoísta.
“Esse fenômeno social que se denomina de negacionismo, ou seja, negar o óbvio, negar a clareza, a orientação do Supremo Tribunal Federal, negar a razão de ser da Constituição e do Direito, é a prevalência do interesse social, face o interesse egoísta. Isso é o negacionismo.”